Livros com temática LGBTQIA+ conquistam cada vez mais espaço entre leitores jovens

22/02/2022

Os livros com temática LGBTQIA+ lideraram, no ano de 2021, as vendas no Brasil na categoria infantojuvenil, segundo dados da PublishNews. O mesmo não havia ocorrido nos anos anteriores e a tendência é de que esse movimento só cresça. O fenômeno, que mobiliza as editoras e desperta a inspiração dos autores de livros voltados para o público jovem, está relacionado com a crescente consciência e interesse do público pelas questões da diversidade, amplificados por fatores sociais tais como o grande impacto das redes sociais e a explosão do TikTok.

Promovendo o debate sobre liberdade de expressão, identidade de gênero e orientação sexual, todas vias alternativas à heteronormatividade compulsória, obras com temática LGBTQIA+ abrem espaço para uma maior difusão da pluralidade ao mesmo tempo que estimulam reflexões necessárias à caminhada humana rumo a uma vida coletiva mais feliz, respeitosa e pacífica. As controvérsias ocasionadas nos setores mais conservadores da sociedade e seus atos de censura parecem alimentar ainda mais as polêmicas e contribuir para o aumento da visibilidade dessas publicações.

Dentre os livros infantojuvenis que se enquadram no gênero e que se destacaram no ano passado, podemos citar, com destaque, o romance Vermelho, branco e sangue azul (selo Seguinte, do Grupo Companhia das Letras), da autora americana Casey McQuiston, que conta a história de Alex, filho da presidente dos Estados Unidos, que se apaixona pelo príncipe da Inglaterra.

Conectadas (Seguinte), da brasileira Clara Alves, aparece em décimo no ranking. Na trama, duas adolescentes se conhecem e se apaixonam virtualmente; uma delas, porém, joga com um avatar masculino. Também do selo Seguinte, a obra Heartstopper: Dois garotos, um encontro, da inglesa Alice Oseman, completa a significativa presença da temática LGBTQIA+ na lista.

Neste Blog, vamos entender melhor o motivo de esses e tantos outros conteúdos similarmente marcados por personagens e temas LGBTQIA+ se tornarem protagonistas no mercado editorial, além de investigar o impacto disso para uma comunidade que desde sempre se viu sub-representada nas mais diversas formas de arte.

O QUE ESTÁ POR TRÁS DO FENÔMENO

Para entender o aumento nas vendas de livros infantojuvenis com temática LGBTQIA+ no Brasil, deve-se considerar alguns fatores que, encadeados, podem ser vistos como responsáveis pelo fenômeno. Um deles, sem dúvida, é a polêmica instalada na Bienal do Livro de 2019, no Rio de Janeiro, quando o então prefeito da cidade, Marcelo Crivella, mandou cobrir com sacos pretos revistas em quadrinhos da Marvel cuja capa exibia um beijo gay masculino.

O youtuber, ator e empresário Felipe Neto comprou e distribuiu durante o evento 14 mil livros de temática semelhante. Desde então, obras que fogem aos padrões heteronormativos passaram a alcançar mais espaço e maiores vendas no país, sobretudo aquelas destinadas a leitores jovens.

A divulgação desses livros por youtubers e tiktokers (também conhecidos como booktubers e booktokers) em suas respectivas plataformas é outro fator que tem impulsionado o crescimento das vendas no setor infantojuvenil. Afinal, esses canais são frequentados em grande maioria pelas novas gerações, e livros com vieses inclusivos e progressistas costumam receber bastante atenção dos influenciadores prestigiados por essa parcela da população.

No entanto, mesmo os jovens que não são adeptos fervorosos das redes sociais têm crescido e amadurecido imersos em um contexto que favorece sua consciência com relação às vantagens de se promover uma cultura diversa e inclusiva. Assim como a biodiversidade é um conceito-chave na preservação dos ecossistemas naturais, a diversidade de gênero, das relações afetivas e das configurações familiares também é a base de uma cultura humana mais saudável e criativa. Até os ideólogos capitalistas já reconhecem que as empresas que investem em programas e políticas de diversidade, em geral, tornam-se mais produtivas e lucrativas. Grande parte das grandes corporações e das empresas e canais de comunicação têm, recentemente, tomado posições favoráveis à inclusão e à diversidade, concedendo mais espaço ao debate e à proposição de ações afirmativas. Mesmo as escolas, em sua maioria, tornaram-se ao longo das últimas décadas espaços mais respeitosos quando se trata de diversidade. Não podemos ignorar o fato de que essa mudança de postura é motivada, acima de tudo, pela pressão por parte dos movimentos sociais que defendem os direitos das chamadas minorias; ainda assim, esses grandes veículos acabam por também contribuir para o ambiente de maior consciência em que crescem esses adolescentes e jovens adultos, que por sua vez desenvolvem maior interesse e preocupação em buscar leituras que representem essa diversidade – e, claro, que representem, em muitos casos, a eles mesmos.

É importante lembrar ainda que a representatividade de pessoas não binárias na literatura e no mercado editorial aumentou significativamente a nível mundial. De acordo com pesquisa realizada pela UK Publishers Association, 11% dos membros do corpo editorial no Reino Unido se identificam como lésbicas, gays ou bissexuais, ao passo que 0,6% se declara trans.

Considerando em conjunto o aumento de representação e divulgação da temática LGBTQIA+ e a maior representatividade LGBTQIA+ de quem está envolvido no mercado editorial, é possível enxergar boas condições para proporcionar ainda mais espaço à diversidade e minimizar apagamentos históricos. O processo está apenas no início.

DISCUSSÃO: O PAPEL FUNDAMENTAL DA LITERATURA COM PERSONAGENS LGBTQIA+

O crescimento exponencial do número de publicações e de consumidores da literatura com personagens e temáticas LGBTQIA+ representa um momento importante no mercado editorial. Contudo, esses livros ainda tendem a ser motivadores de controvérsias e de revolta de setores conservadores da sociedade brasileira. Por que tanta reação contrária?

O alarido parece derivar sobretudo de dois fatores. O primeiro deles é óbvio: a presença, no país, de um projeto político autoritário e defensor aguerrido do patriarcalismo e da heteronormatividade, endossado por uma parte da direita e alçado ao poder nas eleições de 2018. Há, portanto, um conflito entre os interesses políticos dos atuais governantes e os livros de temática LGBTQIA+, que vão de encontro com ideias conservadoras, trazendo minorias ao palco da literatura e colocando ainda mais a diversidade sexual, afetiva e de gênero em discussão na sociedade brasileira.

Outro motivo aparente que se pode apontar é o conflito geracional entre os jovens interessados em conteúdos representativos da diversidade – um tema que, como visto, esteve presente desde mais cedo em seu universo – e pessoas de gerações anteriores, educadas e socializadas de modo distinto no que diz respeito à pluralidade. O resultado, evidentemente, são embates e grandes diferenças de perspectiva em torno do assunto. Vale observar, porém, que em meio a essa tendência geracional, com frequência encontramos “inversões”, tais como avós muito mais acolhedores de suas/seus netas(os) gays/trans do que certos pais/mães; ou mesmo o caso de jovens ultraconservadores, como os haters que se proliferam nas redes sociais, em contraste com pessoas mais experientes que estão abertas ao diálogo e que acolhem as diferenças com respeito.

Para além das controvérsias, os livros com temática LGBTQIA+ têm a função de promover discussões extremamente importantes e atuais e também a de desconstruir paradigmas descabidos. A divulgação de livros no TikTok e no YouTube tem contribuído para esse processo, auxiliando na reverberação de canais de fala e escuta para minorias. O diálogo entre gerações também pode ser visto como construtivo para a aprendizagem de ambas as partes e indispensável para nossa evolução enquanto sociedade. Qualquer conflito que possam despertar os livros com personagens LGBTQIA+ é um conflito saudável e necessário para nosso crescimento pessoal e social.

SE INTERESSA POR ESSE TEMA?

Além das obras citadas neste Blog, você pode conferir os livros abaixo, lançados pela NAU Editora:

O Cozinheiro de Bangu, ficção com protagonista LGBTQIA+. Inspirada em fatos da vida do autor, Wagner Fontoura, a história de “O Cozinheiro de Bangu” foi ficcionalizada e ganhou vida própria, mas manteve o estilo folhetinesco inerente à estrutura do diário que lhe serviu de base. Muito além do drama provocado pelo acontecimento que vem abalar a estabilidade de uma família de classe média alta, o Cozinheiro de Bangu tangencia questões complexas e muito atuais, relacionadas às atitudes sociais em relação às drogas – lícitas e ilícitas –, à perversidade da política de encarceramento, aos vícios e subjetividades no sistema judiciário, à associação entre organizações criminosas e entidades religiosas, às configurações familiares que escapam aos papéis de gênero tradicionais e aos relacionamentos afetivo-sexuais fora da norma hétero-monogâmica.

Saiba mais sobre a obra clicando aqui.

E o eBook gratuito que acaba de ser disponibilizado em nossa plataforma:

Nomes do Amor:  o amor que ousa dizer seu nome, é uma série de retratos de famílias brasileiras LGBTQI+ e apresenta imagens e depoimentos de casais gays, lésbicas e trans. O projeto documentou casais e famílias que compartilham algumas de suas histórias de vida. Tendo como modelos os novos arranjos das famílias queer contemporâneas, Simone Rodrigues realiza seus retratos em poses sem artifícios, na familiaridade do ambiente doméstico. A série Nomes de Amor realiza uma releitura do tradicional retrato de família para fazer uma abordagem contemporânea da diversidade das famílias brasileiras visando promover sua visibilidade e naturalização, agindo contra os estereótipos conservadores.

Saiba mais sobre a obra clicando aqui.