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O caso de Catharina Maria do Espírito Santo
15/06/2023O artigo de Linda Nochlin
Why Have There Been No Great Women Artists? (Por que não houve grandes artistas mulheres?) é um conhecido artigo publicado pela primeira vez na revista americana ArtNews em 1971. Nele, a historiadora da arte Linda Nochlin explora o motivo pelo qual na lista de grandes nomes do “cânone” oficial da História da Arte, até o século XX, praticamente não há nenhuma artista mulher.
No ensaio, Nochlin explora a ambiguidade na formulação da própria pergunta, questionando a parcialidade da instituição da História da Arte. Ela aponta que o “cânone” da História da Arte é consequência de escolhas de curadores, acadêmicos e historiadores que tanto suscitam quanto mantêm uma ideia de arte centrada na subjetividade do homem branco ocidental. Além disso, a autora questiona a própria ideia do que seria esse Grande Artista. O que realmente conecta Michelangelo, Claude Monet e Jackson Pollock, além da nossa vontade de agrupá-los em um olhar parcial para o passado?
Para analisar a questão é necessário se confrontar com o contexto institucional do ensino, difusão e consumo da arte, cujas escolhas moldaram a situação histórica atual. A autora comenta, por exemplo, que uma grande parcela dos artistas celebrados através da história, já tinham vínculos familiares ou sociais com o mundo da arte. No caso das poucas mulheres artistas conhecidas, a associação com uma figura já posicionada dentro desse meio social é quase que exclusivamente presente. Esse argumento evidencia que entrar para o cânone significa derrubar muitas barreiras que o próprio sistema de arte já impõe. Se há uma falta de mulheres artistas no cânone da história da arte é por questões estruturais do que conhecemos como arte. De qualquer modo, para que possamos olhar criticamente para o que aprendemos na escola, é sempre interessante explorar a história de artistas mulheres antes do século XX.
A história de Catharina Maria do Espírito Santo
Um fascinante exemplo é o caso da jovem desenhista Catharina Maria do Espírito Santo, cujo trabalho, um álbum de desenhos compilado em 1794, faz parte da coleção da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Pouco se sabe sobre o álbum, além do fato de que a artista tinha apenas 17 anos na ocasião de sua organização. É possível que as obras tenham viajado com a coleção da biblioteca real de Portugal para o Rio de Janeiro durante a vinda da família real portuguesa ao Brasil, mas de qualquer forma a obra de Catharina representa um caso raro, senão único, na história da arte luso-brasileira.
O professor Renato Palumbo Dória, juntamente com a Biblioteca Nacional, recentemente publicou com a NAU Editora um livro que apresenta o caderno de Catharina Maria do Espírito Santo e analisa seus desenhos, estilo e possíveis referências.
No livro, a professora Susana de Castro explora questionamentos similares aos de Nochlin no contexto brasileiro. Do mesmo jeito que as contribuições das mulheres são menos valorizadas, contribuições afro-diaspóricas e indígenas comumente são ignoradas, bem como conquistas coletivas, que perdem espaço para narrativas sobre indivíduos. Essas escolhas cimentam o lugar colonizante do homem branco como protagonista da história, da arte e da sociedade. Obras como a de Catharina servem para mostrar que é necessário entender a história da arte de maneira mais inclusiva e mais completa.
Nesse contexto, porém, o desafio prático de encontrar, catalogar e disponibilizar informações para além do que foi considerado historicamente relevante por muitos séculos é um grande desafio. O texto de Diana Ramos, chefe do departamento de Iconografia da Biblioteca Nacional, relata os processos da biblioteca e os desafios de se entender documentos históricos sem dados de identificação que forneçam pistas ou contexto para uma obra na coleção. Ramos comenta por exemplo padrões de classificação importados de uma realidade europeia, que não cabe no sistema de arte como ele realmente existia no Brasil.
Catharina Maria do Espírito Santo – Uma Desenhista do século XVIII nos acervos da Biblioteca Nacional explora em detalhes o contexto da obra da jovem artista, tanto na sua dimensão histórica quanto na jornada dos desenhos da gaveta de arquivo para a publicação do volume. Ao ser capaz de contar sua história, o livro nos permite testemunhar os desenhos de Catharina, questionando uma visão monolítica da história da arte para entendê-la como um processo vivo e movente, que só é possível pelo trabalho de pesquisadores e arquivistas.
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